Natureza Humana e Estado de Natureza, em Hobbes

Para Hobbes, ao contrário de Rousseau, o homem em estado de natureza não é pacífico. Em consequência de sua tendência ao conflito surge a necessidade de firmar um pacto que garanta as condições necessária à segurança de todos e à manutenção da vida.


No século XVII, em meio às críticas ao absolutismo monárquico e ao desejo da burguesia por laicização do pensamento político, procurava-se justificar racionalmente o poder do Estado, legitimando-o sem recorrer a interpretações religiosas. Contra as linhas de pensamento que defendiam a associação entre os seres humanos como decorrente de uma tendência natural, filósofos contratualistas sustentavam que a sociedade é produto de um acordo entre vontades, ou seja, de um "contrato" firmado entre os homens.

O contratualismo aparecia como doutrina nas obras de Thomas Hobbes (1588 - 1679) e, mais tarde, nos textos de Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778). Ambos partem da análise da natureza humana e do estado de natureza, ou seja, da hipotética condição humana anterior à vida em sociedade.

Para Hobbes, vivendo em estado de natureza o ser humano se encontra em constante perigo e com medo, pois sendo agressor também teme a agressão. Somente dominando o outro por meio da força e da astúcia garantiria a própria sobrevivência. Assim, para Hobbes, "o homem é o lobo do homem" e a violência acabaria por devorar a todos. Em suas palavras:

A natureza deu a cada um direito a tudo, isso quer dizer que, num estado puramente natural, ou seja, antes que os homens se comprometessem por meio de convenções ou obrigações, era lícito cada um fazer o que quisesse, e contra quem julgasse cabível, e portanto possuir, usar e desfrutar de tudo o que quisesse ou pudesse obter [...] no estado de natureza, para todos é legal ter tudo e tudo cometer [...] no estado de natureza, a medida do direito está na vantagem que for obtida. (1)

Entende-se, portanto que em estado de natureza, defender a própria vida é um direito segundo ao qual ao defensor tudo é permitido, até mesmo matar aquele que o ameaça. A condição natural do ser humano seria, igualmente, defender e matar. Para Hobbes, todos os homens são iguais, pois "são iguais aqueles que podem fazer coisas iguais um contra o outro". (2)

Hobbes destaca aquelas que seriam as características da natureza humana, sendo elas: força corporal, experiência, razão e paixão. O conjunto das capacidades dessas faculdades faz com que as desvantagens individuais pareçam insignificantes, pois considerando, por exemplo, as forças corporais, o mais fraco, fazendo uso da própria inteligência ou unindo sua força à força de outros homens poderia matar o mais forte. (3)

Analisando o potencial do emprego das faculdades mentais, considerando as possibilidades proporcionadas pelo uso da linguagem e do conhecimento, aliadas a experiência e prudência, Hobbes conclui que a igualdade entre os homens é ainda maior. Segundo ele, é dessa igualdade que resultam os conflitos, pois aqueles que desejam uma mesma coisa e ficam impedidos dela desfrutar da mesma forma, entram em conflito. Na busca por atingir seu fim (o objeto de seu desejo e ou necessidade), agem de forma a subjulgar um ao outro, envolvendo-se em constante tensão e disputas diretas. Assim, a associação entre os humanos para a vida em sociedade não seria uma tendência da natureza humana e mesmo seria motivo de grande desgosto. (3)

A interpretação de Hobbes sobre a natureza humana é resultado das observações feitas pelo filósofo do comportamento dos homens de sua época aliadas a um processo de reflexão filosófica que procura compreender as motivações humanas. O filósofo procurou identificar os motivos que levariam o ser humano a sentir medo, observando o contexto em que esta paixão (emoção) é experimentada. Com isso, concluiu que a inimizade e as disputas são comportamento que se pode esperar dos seres humanos em certas circunstâncias. Limongi sintetiza assim a questão: "Todo comportamento tem por causa uma paixão e toda paixão se explica por uma circunstância que a determina" (4). Para Hobbes, competência, desconfiança e glória seriam as três principais causas da discórdia entre humanos, "resolvida" por meio da violência (1).

Enquanto a competência levaria o homem a atacar procurando alcançar algum benefício, a desconfiança seria o caminho para garantir segurança. Por sua vez, a glória garantiria a boa reputação. Limongi afirma que "a disputa pela honra e pela reputação é uma forma de tentar arrancar dos outros que eles reconheçam o nosso valor ou o nosso poder" (4). A autora explica que o reconhecimento também é uma manifestação de poder, pois o reconhecimento de outros indica possibilidade de exercer influência sobre eles. Em outras palavras, buscar por segurança, satisfação de ambições e vaidades seria alguns dos principais motivos que levariam os seres humanos a viverem em permanente estado de guerra de todos contra todos.

Assim, antes de ingressa na vida social, o estado natural humano seria a guerra. A vontade de contestar o outro estaria plenamente declarada. Porém, a vontade de paz também decorre da própria natureza humana, conforme as palavras de Hobbes, expostas na sua obra Elementos da Lei e citadas por Tuck (5):
Na medida em que todos os homens, levados pela violência de sua paixão, fazem coisas que costumam ser consideradas contrárias à lei da natureza, não é a aceitação da paixão ou a aceitação de algum erro que se comete por hábito que faz a lei da natureza. A razão não é menos da natureza do homem que a paixão e é a mesma em todos os homens, porque todos os homens concordam na vontade de serem dirigidos e governados de modo a serem levados àquilo que desejam conseguir, a saber, seu próprio bem, o que é obra da razão. Não pode haver, portanto, nenhuma lei da natureza além da razão, nem outros precedentes da lei natural do que aqueles que nos indicam o caminho da paz, quando esta pode ser obtida, e da defesa quando não pode. (5)

A transição entre estado de natureza e sociedade civil ocorre com o reconhecimento da fragilidade de cada ser humano diante da sua condição. O medo permanente, o anseio pela paz e por uma vida harmoniosa faz nascer o "contrato social", o acordo que possibilita a associação dos homens e mulheres em sociedades e a cessão a um soberano do direito de dirigi-los.




Referências

(1), (2) HOBBES, Thomas. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 29, 33.

(3) HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

(4) LIMONGI, Maria Isabel. Hobbes. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

(50) TUCK, Richard. Hobbes. São Paulo: Loyola, 2001.


Imagem 1 - pintura rupestre

Imagem 2 - Thomas Hobbes portrait, Wikipedia